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3 Perguntas #3: A Ubiquidade das Metáforas na Economia
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3 Perguntas #3: A Ubiquidade das Metáforas na Economia

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Atendendo a um pedido, excepcionalmente esse episódio está aberto para todos.

Metáforas. Vocês já se deram conta de como elas dominam o nosso cotidiano, permeiam nossas falas, aparecem no nosso pensamento? Em 1980, George Lakoff e Mark Johnson publicaram “Metaphors We Live By”, obra de referência para qualquer pessoa interessada no uso da linguagem e nas relações entre linguagem e pensamento. Para Lakoff, linguista e filósofo, nós pensamos por meio de metáforas – a maior parte das vezes de modo inconsciente.

Em Metaphors We Live By, os autores argumentam que metáforas são uma ferramenta (olha a metáfora sobre a metáfora! A metametafóra!) que ajuda as pessoas a compreenderem conceitos abstratos a partir daquilo que lhes é familiar: suas experiências no mundo, tanto por meio do contato físico, quanto do social. Sugiro um experimento que todos podem fazer: abram os jornais e leiam atentamente as colunas e notícias. Peguem um caderninho e anotem todas as metáforas que encontrarem. Algumas serão óbvias, outras mais introvertidas – estão atentos? Estão “ligados” (na tomada?)? Algumas serão metáforas mortas, aquelas usadas à exaustão. Outras serão poéticas. Todas moldam o nosso pensamento pois dele se originam. Desafio qualquer pessoa a escrever sobre um conceito abstrato sem usar uma metáfora sequer. Fica a sugestão para alegrar o fim de semana.

Vocês já ouviram falar de Deirdre McCloskey? Hoje com 81 anos, ela é ainda professora de economia, história, literatura, filosofia, e clássicos na Universidade de Illinois. Nos início dos anos 80, quando Deirdre ainda era Donald, ela escreveu o clássico “The Rhetoric of Economics”. Nessa obra, McCloskey mostrou como o discurso econômico se vale de instrumentos retóricos para persuadir. Ela não chega a chamar os economistas de Sofistas, mas, francamente, a distância que os separa é curta. Como economista afeita à tradição platônica, torço o nariz para os meus colegas Sofistas, o que hoje me separa um pouco da esgarçada disciplina. Mas, isso é conversa para outra hora. Eu prometi contar para vocês o que ando fazendo nesse episódio subversivo do Podcast 3 Perguntas – subversivo pelo tema e pelo fato de não estar respondendo pergunta alguma. Aqui vai:

Estou pesquisando o uso de metáforas na economia e ontem tive uma experiência “transcendental”. Pela manhã, recebemos no Peterson Institute for International Economics o President do Fed de Chicago, Austan Goolsbee. Sua palestra foi bastante interessante até por ser ele um economista inusitado: apesar do cargo que ocupa, é um sujeito divertido, destituído da pompa característica do patriarcado econômico. Goolsbee falou sobre o assunto que há 40 anos domina o noticiário nacional: a inflação. Anotei em um caderninho todas as metáforas usadas, mas permitam que retorne a Lakoff.

No capítulo 6 de Metaphors We Live By, Lakoff e Johnson discutem as metáforas ontológicas. A ontologia é o estudo das entidades existentes, de como são categorizadas, de como se relacionam. A experiência da alta de preços representada pelo substantivo inflação é uma entidade. Para nós, pessoas do Brasil que vivemos ou não a hiperinflação, a entidade inflação nos assombra (!) de diversas formas.

Quantos de vocês se lembram do “dragão da inflação”, tantas vezes capa da Revista Veja nos anos 80 e 90? Não é exagero dizer que jamais nos livramos dessa imagem. A inflação é uma fera perversa, em tudo toca fogo, sobretudo nos mais pobres.

Disse Campos Neto no dia 27 de setembro:

“Inflação é imposto que onera quem não pode se defender dela.”

Ele tem razão, embora pudesse ter construído a frase de modo mais polido e completo:

“Inflação é imposto que onera todos os cidadãos, sobretudo aqueles que dela não podem se defender”.

Economia é literatura, já nos disse Deirdre.

A metáfora ontológica da inflação não é inócua. Seu aparecimento constante nas páginas dos jornais, nas falas dos jornalistas econômicos, e dos Sofistas-economistas insinua que é ela o problema mais insidioso do País. É preciso fazer de tudo para evitá-la, nem que isso evolva “afundar a economia”, como disse outro dia um ex-diretor do Banco Central. Vejam, a metáfora vira recomendação de política econômica com consequências reais.

Fui para os livros-texto de economia e fiz uma breve lista:

1.     Mecanismo de preços;

2.     Mecanismo de transmissão (da política monetária, da política fiscal);

3.     Capital humano;

4.     Instrumento de política econômica;

5.     Multiplicador fiscal;

6.     Acelerador;

7.     Estabilizadores automáticos;

8.     Oscilações cíclicas;

9.     Função de produção agregada;

10.  Trabalho e capital como insumos;

Esses são termos recorrentes. De tão usados, nem se nota a metáfora subjacente. Trata-se de metáfora embrulhada no manto do Século 19 (!):

“A Economia é uma máquina”.

Parece inócua, não? Contudo, se a economia é uma máquina, as pessoas são insumos, commodities. Não são as pessoas que fazem a economia, mas a máquina econômica que as molda. E a máquina precisa funcionar, custe o que custar. A metáfora, quando bem examinada, revela porque os economistas geralmente deixam de lado a política, as questões morais, a justiça distributiva, os problemas sociológicos relacionados à operação da máquina, entre outras questões. A máquina não pode parar.

Prometi que retornaria a Goolsbee. Pois aí vai:

“O pouso suave não pode descarrilar”.

É uma máquina, já sabemos. Mas, é um avião ou um trem? Ainda que ambos possam se espatifar, um é aéreo, o outro terrestre…

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