Entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, a Argentina devorou cinco presidentes, os homens que não souberam decifrá-la em meio à maior crise já sofrida pelo país. No dia 21 de dezembro, Fernando de la Rúa renunciou após dois anos na presidência, sucedido pelo senador Ramon Puerta, que durou apenas dois dias. Puerta entregou a presidência a Adolfo Rodriguez Saá, engolido pela esfinge após sete dias. Eduardo Camaño, seu sucessor, tampouco aguentou a ira da esfinge. Dois dias depois da posse foi obrigado a deixar o cargo. Eduardo Duhalde, eleito presidente, governou o país durante 1 ano, 4 meses, e cerca de 23 dias. Sua passagem pela presidência selou o caminho para a ascensão da Era Kirchner, com a vitória de Néstor, marido de Cristina, em 2003. Doze dias, 5 presidentes.
Não é Néstor, propriamente, o símbolo máximo do Kirchnerismo. Essa posição é ocupada por Cristina, odiada e rejeitada por tantos e ainda assim presidente por 2 vezes, além de vice-presidente no governo atual. Não cabe nesse artigo uma análise rigorosa dos governos Kirchner. Essa estou fazendo para o meu livro sobre Nacionalismo Econômico, prestes a ser concluído logo que acabarem as eleições na Argentina.
Nesse domingo, a esfinge escolherá entre Sergio Massa e Javier Milei. A eleição do nojo e do medo, disse um jornal argentino. “A Argentina é um país indecifrável”, declarou Pepe Mujica. Caso o ex-presidente uruguaio esteja correto, não é nada improvável que qualquer dos dois não consiga terminar o mandato. Decifra-me ou te devoro tem precedentes impecáveis.
Que fique claro: nenhum dos candidatos oferece soluções para a crise argentina do momento, turbulência que tende a se intensificar frente a um quadro hiperinflacionário como já abordei tanto nesse espaço, quanto no meu canal do YouTube. Massa, entretanto, poderá contar com o apoio da China. Poucos dias antes do primeiro turno, o país asiático ativou a linha de swap no valor de US$ 6,5 bilhões. É importante saber que a China não usa essas linhas de swap de modo convencional. Normalmente, linhas de swap são instrumentos reservados às trocas de moeda entre bancos centrais, seguindo regras específicas. A China, no entanto, tem utilizado essas linhas como mais um mecanismo de empréstimos entre governos. A atitude pró-China do atual governo e de Massa, além dos muitos interesses chineses na Argentina, conspiram para que o país de Xi Jinping dê fôlego financeiro inicial a um eventual governo Massa que precisa evitar negociações imediatas com o FMI. O mesmo não pode ser dito de Milei devido à postura anti-China do exótico candidato. Retornarei a esse ponto fundamental após as eleições.
Peronismo em Mutação?
Algumas colunas de jornal na argentina interpretaram o encerramento da campanha de Massa, desprovido de imagens de Juan Domingo Perón e Evita, além de bandeiras kirchneristas, como sinal de que o Peronismo estaria passando por uma mutação. Contudo, o Peronismo é uma constante mutação, desafiando qualquer um que se proponha a defini-lo. A pessoa que chegou mais perto de sua essência foi, novamente, Pepe Mujica, ao enquadrá-lo como mito fundador do país — sobre isso, também já escrevi e falei bastante.
O Peronismo de Massa aparece em versão moderada, uma tentativa do candidato de não enfurecer as diversas facções que compõem o fenômeno tão particular à Argentina. Contudo, é provável, se não inevitável, que, após o pleito, o Peronismo novamente se desdobre nas suas variadas formas, a força da esfinge. Esse Peronismo mutante ameaça a presidência liderada seja por quem for, mas talvez seja mais nocivo para Massa, sendo ele mais suscetível às acusações de traição caso caia em desgraça.
Milei não precisa do Peronismo para cair em desgraça…
…afinal, ele tem a dolarização. Caso tente adotá-la, sua permanência na presidência será efêmera. Há muitas formas de desqualificar a dolarização, mas a mais fácil de todas é a mais óbvia: um país que não tem dólares suficientes, recorrendo às restrições de capital, além do regime de câmbio múltiplo, não tem como dolarizar-se.
Talvez a maneira mais fácil de explicar para brasileiros o que aconteceria se a Argentina abandonasse o peso seja lembrá-los do que se passou com o Plano Collor I. Dolarizar sem dólares suficientes é meio parecido com confiscar boa parte do dinheiro em circulação. O dinheiro em circulação é o que move a economia. Quando é restringido de forma bruta, a economia entra em colapso. Fim da economia, fim do presidente que adota a política que a mata. Nem enigma digno de esfinge é.
Aguardemos o domingo, mas, sobretudo, esperemos por suas ramificações. Elas serão trágicas, ainda que muito interessantes.
Impensável nossos hermanos transplatinos cometerem um macabro desatino no domingo.
Impossível. Implausível. Incrível. Impresumível. Infactível.
Em um tom mais leve, todos já aguardando pelo novo livro. O tema nacionalista promete!
O dilema mundial da escolha entre o menos pior...quando vamos virar a chave e poder escolher os melhores??